ALBERTO TORRES
Há mais de quarenta anos que os profissionais da Polícia de Segurança Pública (PSP) decidiram encetar a luta pelo direito ao sindicalismo policial e pelo diálogo social com a tutela da PSP, pela melhoria das condições de trabalho, melhores remunerações e por um horário de trabalho digno, assim como por um subsídio de turno e um subsídio de risco de forma a compensar o desgaste e o elevado risco da profissão.
▫️Neste dia 21 de Abril, comemoram-se os 34 anos do célebre acontecimento ocorrido na Praça do Comércio em Lisboa, quando um Governo liderado por Cavaco Silva decidiu mandar o CI/PSP-Corpo de Intervenção da PSP carregar sobre cerca de dois mil profissionais da PSP que se manifestavam por aqueles direitos em frente do Ministério da Administração Interna (MAI), então chefiado por Silveira Godinho.
▫️Durante longos anos, sucessivos governos, ora liderados pelo PS ora pelo PSD (com a participação do CDS), tudo fizeram, atropelando a Constituição da República (CRP), protelando de forma ilícita a legalização do sindicalismo na PSP, impedindo a publicação dos Estatutos Sindicais da Pró-ASP/PSP, que se encontravam depositados no Ministério do Trabalho para publicação no Boletim do Trabalho e Emprego.
▫️Apesar do comportamento antidemocrático dos referidos governos, quer a CRP quer a Lei-Sindical que então regulava a criação de sindicatos no país, nas mais variadas profissões, não impediam que os profissionais da PSP pudessem constituir os seus sindicatos, nem havia qualquer impedimento legal sobre o direito à greve na PSP.
▫️Os acontecimentos de 21 de Abril de 1989, cujas imagens correram o Mundo, obrigaram a que os partidos com assento parlamentar chegassem a um acordo sobre a necessidade da criação de legislação [a Lei 6/90], que permitiu aos profissionais da PSP constituírem Associações de cariz sócio-profissional. Infelizmente, com a aprovação dessa Lei, pouco ou nada se veio alterar no diálogo com a tutela, de modo a que pudesse haver melhorias nas condições de trabalho na instituição.
▫️Apesar da publicação da referida lei, os sucessivos governos bem como a hierarquia da PSP continuaram a recusar o diálogo com os nossos representantes associativos. Além disso, afirmavam que não havia direito à negociação colectiva por não haver sindicatos na PSP. Face a essa intransigente falta de diálogo por parte da tutela, tornou-se necessário aos profissionais da PSP, incentivar a luta [dentro do quadro legal então vigente], por uma verdadeira Lei Sindical que viesse finalmente a normalizar o diálogo com a tutela policial.
▫️Em Fevereiro de 2002, foi finalmente aprovada pelo Parlamento a Lei n.º 14/2002 (Lei sindical da PSP). No entanto, os partidos do chamado “arco da governação”, principalmente o PS, o PSD e o CDS não se ficaram pela normal aprovação de uma Lei Sindical para o pessoal da PSP. Com efeito, em 2001, antecipando a aprovação dessa lei, os mesmos partidos já tinham feito aprovar uma alteração à CRP, que, a partir daí, passaria a proibir aos profissionais da PSP o direito à greve, embora lhes reconhecesse o direito de se associarem em sindicatos.
▫️Ou seja, durante cerca de vinte anos (1980-2002), já depois do 25 de Abril, os governos ditos democráticos, suportados pelos referidos partidos, cometeram inúmeros atentados e ilegalidades no processo de legalização do sindicalismo na PSP, impondo de forma manhosa e algo traiçoeira um travão ao direito à greve, por via de uma alteração na CRP e plasmada na Lei sindical da PSP.
▫️O mais grave é que os partidos do “arco da governação” usaram o seu poder absoluto e discriminatório para impor uma Lei que não salvaguarda os direitos dos profissionais da PSP, ao mesmo tempo que se refugiam nesse mesmo poder para não dialogarem e não resolverem os verdadeiros problemas que afectam todos os profissionais da Polícia de Segurança Pública, o que tem obrigado a uma luta contínua que permitiu a conquista de algumas melhorias que vieram a concretizar-se.
▫️A humanidade evoluiu. Com o passar dos tempos, o reconhecimento dos direitos do ser humano aumentou. E também os profissionais da PSP ganharam uma mais profunda consciência cívica profissional e humana no respeito pelo bem-estar dos cidadãos. Os direitos humanos, em primeiro lugar e os direitos sociais e económicos depois, vieram proporcionar aos trabalhadores capacidades para melhor administrarem a sua vida privada, já não sendo submetidos à vontade arbitrária do empregador.
▫️Neste sentido, o direito à negociação colectiva e, posteriormente, o direito à greve tornaram-se nas armas mais eficientes do trabalhador na prossecução de melhores condições de vida, às quais se juntaram, entre outros, os direitos de ordem social, o direito à proteção do emprego e ao horário de trabalho, o direito à habitação, o direito à protecção na saúde, da maternidade e parentalidade bem como o direito da proteção social em caso de desemprego.
▫️Os polícias são também trabalhadores, embora isso não seja percepcionado por todos os políticos ou juristas. São funcionários públicos, porque o seu vinculo profissional encontra-se sob a alçada do poder central do Estado. Os polícias têm deveres, mas também têm direitos. Se os deveres para com a segurança das populações e dos seus bens são cumpridos, não se compreendem os motivos porque lhes continuam a ser negados certos direitos que a todos os trabalhadores são reconhecidos.
▫️O direito à greve é o maior dos exemplos. É óbvio que, em Portugal, os polícias, à semelhança do que ocorre em outros países democráticos, também não deveriam recorrer à suspensão do exercício das suas funções profissionais como arma reivindicativa. Mas, quando um Governo quebra o contrato social com os seus próprios trabalhadores ou respectivos representantes sindicais – pondo em causa legítimas aspirações por melhores condições de vida e de trabalho – temos de admitir que pode então ter chegado o momento de revermos as regras por que nos guiávamos, e centrarmos a exigência no direito à greve como forma de fazermos que sejam respeitados pela tutela os direitos que legalmente nos assistem, assim como temos direito aos direitos reconhecidos a todos os outros trabalhadores do Estado.
▫️Neste momento, conforme atrás referimos, está defraudada a negociação colectiva com a Administração Central (Governo). A tutela da PSP simula haver diálogo com os representantes sindicais da PSP mas não cumpre com seriedade os pressupostos da uma verdadeira negociação colectiva. Será que o Governo decidiu que deverá passar a ser-nos reconhecido também o direito à greve para se poder estabelecer um verdadeiro acordo social que vá de encontro às espectativas dos polícias?
▫️Curiosamente, o jornal Público noticiava no passado dia 2 de Abril que o actual chefe do Governo tinha incentivado, na véspera, os sindicalistas do seu partido a “lutarem por melhores salários nas empresas através da negociação colectiva”. É caso para dizermos: “Bem prega, Frei Tomás”…
▫️No actual contexto político e social do país, os profissionais da PSP e os sindicatos representativos de todas as classes profissionais têm sido arredados da discussão e da análise dos problemas que a todos afectam. A tutela da PSP, o Ministério da Administração Interna (MAI) e a Direcção Nacional da PSP violam flagrantemente a nossa Lei Sindical e atropelam grosseiramente os mais elementares direitos sócio-profissionais dos polícias. O MAI faz sucessivos e repetidos anúncios de investimentos na instituição policial mas esquece, porque omite, a necessidade de tornar claros esses investimentos quer quanto aos respectivos montantes quer também quanto à natureza dos objectivos (Património?… Meios operacionais?… Salários?… etc).
▫️Com esses mesmos anúncios, a nossa entidade patronal procura iludir a opinião pública, uma vez que os investimentos raramente se concretizam em melhoria das condições de trabalho ou na massa salarial dos polícias. E, tanto é assim, que a falta de atractividade para servir a PSP tem gerado o desinteresse no ingresso de novos profissionais, e tem levado à saída de outros (entre os quais quadros superiores altamente qualificados) que ora transitam para outras instituições da Administração Pública, ora abandonam definitivamente a PSP para instituições do sector privado ou organizações internacionais.
▫️Os profissionais da Policia de Segurança Pública estão ao nível dos melhores da Europa, quer em termos de formação profissional quer em termos académicos, conforme o têm demonstrado a participação ou a coordenação de eventos de grande responsabilidade, tanto a nível nacional como em participação e colaboração a nível internacional. Hoje, já não basta ao poder político o velho argumento da falta de formação dos profissionais das forças de segurança. A Escola Superior de Polícia e a Escola Prática de Polícia são, pela sua capacidade formativa, o suporte da formação e da responsabilidade que os profissionais da PSP transmitem em toda a sua actividade operacional.
▫️No nosso país, esta responsabilidade colectiva ou individual dos profissionais da Polícia só tem paralelo nas restantes forças ou serviços de segurança, onde destacaria os funcionários da PJ-Polícia Judiciária, do SEF-Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ou mesmo na Magistratura Judicial ou na Magistratura do Ministério Público. Estes trabalhadores do Estado têm direito à greve e os sucessivos governos têm-lhes reconhecido capacidade de negociação das condições de trabalho e melhorias salariais, não havendo conhecimento de qualquer falta de cumprimento das suas obrigações estatutárias.
▫️Então, porque espera o poder político para reconhecer capacidade cívica aos profissionais da PSP, para que possam decidir sobre o direito de exercerem, ou não, o direito à greve na PSP? É que, ao longo de mais de quarenta anos, tem cabido aos sucessivos governos a responsabilidade da ausência de diálogo e da falta de respostas aos problemas que afectam gravemente as condições de trabalho dos profissionais da PSP.
▫️O actual Governo, com esta sua teimosia de manter falta de respostas aos problemas que afetam a instituição policial e os seus profissionais só agrava a situação. Governar não é manter esta postura: antidialogando, deixando campo aberto para o extremar de posições entre as partes, que, como tem sido fortemente noticiado pelos órgãos de comunicação social e por vários outros intervenientes na vida pública, será campo livre para a desorientação interna, para a demagogia, a incompetência e o oportunismo político e inorgânico….
▪️Nota: O autor não segue as normas do Acordo Ortográfico de 1990