

«Desde que tomou posse, Manuel Magina da Silva, um dos mais brilhantes atiradores do Grupo de Operações Especiais (GOE), que comandou vários anos, protagonizou diversos casos incómodos para a Governo – o mais grave quando, à saída de uma audiência com o Presidente da República, revelou algum conteúdo da conversa privada e anunciou extemporaneamente que estava ser discutida a fusão do SEF com a PSP, o que nunca veio a acontecer, nem está previsto — e foi perdendo a confiança de muitos oficiais de topo que partilharam com o DN o seu descontentamento, pedindo o anonimato.

O instinto preciso que Magina da Silva coloca nos disparos certeiros não tem servido na mesma medida nas suas intervenções, pelo menos as públicas que são as que têm mais reflexos na imagem da PSP.
O DN sabe que alguns oficiais superiores já fizeram um retrato sobre o “estado da arte” na PSP ao Ministro da Administração Interna, pelo menos disso deram garantia alguns deles nas conversas com este jornal.
𝐌𝐢𝐧𝐢𝐬𝐭𝐫𝐨 𝐧ã𝐨 𝐦𝐨𝐬𝐭𝐫𝐚 𝐣𝐨𝐠𝐨
Recém-chegado, José Luís Carneiro vai tentando apagar alguns fogos urgentes que herdou, como o processo do SEF e a crise nos aeroportos, ou a criminalidade dos gangues juvenis e o SIRESP, e ainda não se pronunciou sobre o desempenho do diretor nacional da PSP no cargo.
Na PSP olham para o ministro como a derradeira esperança para a sua substituição e dar um novo fôlego a esta força de segurança crucial na proteção de todos e de onde transpira tanta desilusão e descontentamento.
Mas o governante não tem mostrado o jogo e, ao que o DN apurou, pode estar a querer evitar abrir outra crise nesta altura, com a questão do SEF ainda a sangrar.
Tudo poderá depender da forma como a PSP for gerindo internamente a situação e resistir a mais uns meses até ao final da comissão de serviço do chefe máximo da PSP, em fevereiro do próximo ano.

Na sua audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, a propósito da extinção do SEF, o diretor nacional da PSP indicou que 19 polícias aceitaram prestar comissão especial de serviço no SEF no âmbito do reforço de pessoal para os aeroportos portugueses durante o verão, estando previstos 168 agentes.
Cerca de duas horas mais tarde (horas de publicação das notícias na Lusa), o Ministério da Administração Interna (MAI) corrigiu estas declarações indicando que estão afetos ao plano de contingência verão 2022 nos aeroportos portugueses 89 elementos da Polícia de Segurança Pública — os 19 referidos mais 70 oficiais.
Tem acumulado o desagrado junto de altas entidades, desde a tutela, do presidente da Câmara de Lisboa e da própria Presidência da República.
Além das evidências públicas dos constrangimentos que tem vindo a criar e do isolamento interno, nos bastidores da segurança, tem acumulado o desagrado junto de altas entidades, desde a tutela, do presidente da Câmara de Lisboa e da própria Presidência da República (ver casos ao lado), em relação a algumas posições suas.
“𝐕𝐚𝐫𝐫𝐢𝐝𝐞𝐥𝐚” é 𝐧𝐞𝐜𝐞𝐬𝐬á𝐫𝐢𝐚

O presidente da ASPP, sindicato que protestou contra o diretor nacional, também consegue resumir muito do sentimento de desilusão que domina.

Há uma “grande apatia, resignação e servilismo” da maior parte dos altos dirigentes, que “em vez de contrariarem decisões que sabem ser impossíveis, mandam a carga para baixo, para as bases”

“Felizmente que os profissionais têm um grande sentido de responsabilidade, carolice mesmo, e não põem em causa a segurança da população, muito à custa do seu esforço quase sobre-humano Mas é cada vez mais difícil”, conclui.
Magina já saberá que não vai ter a sua comissão de serviço renovada e faz planos para um asilo de luxo, tal como aconteceu aos seus antecessores Paulo Gomes e Luís Farinha.
𝐓𝐫𝐚𝐝𝐢çã𝐨 𝐬ó 𝐨𝐮 𝐦é𝐫𝐢𝐭𝐨 𝐭𝐚𝐦𝐛é𝐦 𝐧𝐚 𝐬𝐮𝐜𝐞𝐬𝐬ã𝐨?
Dependendo da urgência que José Luís Carneiro pretender dar ao assunto, olhando para a lista de colocações vão abrir vagas no Brasil em outubro (oficial de ligação para a imigração, habitualmente preenchido por inspetores do SEF, mas que, no atual contexto, podem deixar de o ser), em Marrocos em dezembro e em fevereiro, quando termina a sua comissão de serviço, em Paris, onde está atualmente o ex-diretor nacional Luís Farinha.
Para a sucessão, se for interna, a tradição seria a escolha recair sobre um dos 13 atuais superintendentes-chefes, aos quais se somaram na passada semana outros dois, Paula Peneda e Bastos Leitão.

Paula Peneda já tinha sido sondada pela anterior equipa de Eduardo Cabrita, que gostaria de ver uma mulher a liderar a PSP, mas, ao que o DN soube, a comandante do Porto não é muito popular internamente nem junto a alguns dos pares de outras polícias.

Independentemente da tradição, se sentir que nenhum destes super-intendentes chefes têm potencial e carisma para ser um balão de oxigénio para a PSP, ou por não quererem ou por não terem capacidade ou até porque, tirando exceções, terem construído um enorme muro entre eles e os outros oficiais e bases, o Ministro tem a prerrogativa de poder escolher algum dos superintendentes abaixo, pelo seu mérito e reconhecimento de qualificações.


𝐒𝐄𝐓𝐄 𝐂𝐀𝐒𝐎𝐒, 𝐒𝐄𝐓𝐄 “𝐏𝐄𝐂𝐀𝐃𝐎𝐒”

Dezembro de 2020, quando toda a polémica em relação à morte de Ihor Homeniuk ainda estava no seu auge e o Governo já tinha indicado que preparava uma reforma para o SEF, Magina da Silva teve uma audição com Marcelo Rebelo de Sousa e à saída revela que estava a ser trabalhada a fusão da PSP com o SEF e que a questão já tinha sido abordada com o Presidente da República.
Além da quebra de sigilo habitual nestes encontros, o diretor nacional foi depois desautorizado pelo Governo nas suas afirmações.
O então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita veio retificar, dizendo a reforma do SEF era “uma matéria que o Governo está a trabalhar, acentuando que estas matérias, ” obviamente, com todo o respeito, não são anunciadas por diretores de Polícia”.
Muitos apostaram que Magina se demitiria, apenas 10 meses depois de ter tomado posse, mas sobreviveu e até ironizou com o caso na semana passada, na audição parlamentar.

Na passada semana, na audição parlamentar sobre o SEF, indicou que 19 polícias já tinham aceite reforçar o SEF em comissão de serviço.
Duas horas depois, o gabinete do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro teve de corrigir, lembrando que, além desses 19, havia mais 70 oficiais a apoiar os inspetores do SEF no âmbito do plano de contingência para os aeroportos nacionais, que o Governo preparou para fazer face ao grande aumento de turistas durante o Verão.

“Há uma atuação legal e legítima por parte de um agente da autoridade. Há uma resistência na condução para identificação e há efetivamente uma ação de resistência ativa contra o agente que decidiu proceder à detenção, que foi o que aconteceu”, declarou Magina da Silva sobre as agressões a Cláudia Simões, logo na sua tomada de posse, em fevereiro de 2020, quando questionado pelos jornalistas sobre o caso.
Como se sabe, os três polícias acusados vão a julgamento por crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada contra Cláudia Simões.

A associação Montepio PSP, com um vasto património em Lisboa – T3 e T4 em zonas nobres da capital – é dirigida por oficiais de topo da PSP e, segundo uma investigação da Sábado, distribui algumas das casas, a menos de 550 euros, aos membros dos próprios órgãos sociais e a altas patentes da polícia, como o ex-diretor nacional adjunto José Ferreira Oliveira.
Embora não tenha responsabilidade direta, não são conhecidas propostas de solução, nem de demissões, para acabar com os abusos, que estão já a ser investigados pelo DIAP e PJ.

A relação entre Magina da Silva e os sindicatos da PSP entrou em rutura total, ao ponto de o maior deles, a ASPP-PSP , habitualmente mais comedida nos seus protestos, ter convocado uma manifestação para a sede da PSP contra “a forma como a atual Direção Nacional tem gerido os destinos da instituição, mas principalmente a vida dos polícias”.

Nunca vieram a público, mas dentro da PSP há vários oficiais que conhecem os episódios, que envolveram a tutela, a Presidência da República e a Câmara de Lisboa.
No primeiro caso, o diretor nacional retirou, à revelia da então Ministra, uma oficial de ligação que estava no Ministério, Mónica Landeio, enviando-a, contra sua vontade para Leiria.
Com a nova equipa no MAI, a oficial terá sido de novo chamada ao Ministério, pela mão da secretária de Estado Isabel Oneto, contrariando Magina da Silva.
As escolhas propostas por Magina da Silva para a segurança de Belém, desagradaram a Marcelo Rebelo de Sousa, obrigando o diretor da PSP a recuar no plano que tinha para ali colocar um oficial que pretendia promover.
Carlos Moedas, por seu lado, viu-se envolvido numa espécie de complô para substituir o comandante da Polícia Municipal, lugar que Magina da Silva queria para colocar um homem de sua preferência – o oficial que estava em Belém, que estava em conflito com Marcelo, e que acabou por ficar sem lugar.
Mas tendo sido informado do que estava em causa, Moedas chamou o superintendente Paulo Caldas e manifestou-lhe a sua total confiança, desacreditando as iniciativas do diretor nacional da PSP.

Nos primeiros meses da pandemia, logo em 2020, quando as Forças Armadas saíram à rua para apoiar no combate contra a covid-19 (transporte de doentes, desinfeção de lares e escolas, internamentos), um grupo de militares que estavam a fazer o perímetro de segurança a um lar de idosos foi barrado por agentes da PSP. Magina da Silva veio publicamente apoiar a ação, deixando as chefias militares incomodadas.»
Valentina Marcelino. Diário de Notícias. 29.06.2022.